![]() |
Na Ativa não faltam burros domesticados, que se acham leões indomáveis! |
Não creio que
exista alguém capaz de se opor a minha convicção de que burrice não é a falta
de um conhecimento específico. Um trabalhador rural de uma comunidade isolada
pode não saber navegar na internet. Mas duvido que você saiba produzir alimento
a partir da terra como ele. É impossível saber sobre tudo e a beleza de estar
em sociedade é a complementaridade dos saberes, a ponto de precisarmos uns dos
outros para sobreviver.
Burro também não
é quem separa sujeito e predicado por vírgula. Muita gente não entende isso e
desvaloriza a opinião do outro por não compartilhar dos mesmos padrões de fala
ou do mesmo universo simbólico. Algumas das pessoas mais sábias que conheci são
iletradas. E alguns dos maiores idiotas têm doutorado. Significa que os
iletrados são melhores que os doutores? Não. Então, o contrário? Também não.
Pois é burrice achar que usar ou não a norma culta da língua é condição para
participar do debate público.
Trato aqui da
burrice de quem menospreza o conhecimento, seja ele qual for, chegando a odiar
quem o detém ou quem busca aprendizado.
Da burrice
prepotente e apressada, que xinga um texto ou fala num programa de rádio sem
ter consumido nada além de seu título, manchete ou visto o nome do autor ou
autora, ou do radialista. E, diante das críticas sobre a superficialidade desse
comportamento, rosna, dizendo – no melhor estilo Jota Bastos – que tudo o que é
importante pode ser escrito em uma linha ou um tuíte. Ou que acredita que um
produto é ruim simplesmente por não ter ido com a cara do rótulo.
O burro é aquele
que vê seu preconceito violento como sabedoria.
Essa burrice,
montada na soberba, pensa que já sabe de tudo a ponto de tachar os que
discordam de sua visão de mundo como mal informados, comprados ou manipulados
sem apresentar dados e fatos que corroborem a crítica. Ou tenta calar as vozes
diferentes da sua por encarar a dissonância como ruído e não como música.
Pois a burrice
sempre tenta destruir o conhecimento que ameaça jogar luz sobre ela própria.
A burrice também
é incapaz de aceitar o próprio erro, transferindo a culpa para o outro. Ou,
diante de um questionamento, foge da autocrítica, dizendo que outra pessoa ou
partido também faz a mesma coisa. A burrice não pede desculpa. Pois a burrice
de um indivíduo acha que é absolvida pela burrice de outro indivíduo ou do
coletivo.
A burrice não
aceita a existência de outra versão que interprete os fatos além da sua. É
incapaz de reafirmar sua visão e, ao mesmo tempo, conviver com análises
divergentes. Enxerga a opinião alheia como ”notícia falsa” não por desconhecer
a diferença entre formatos de textos narrativos e opinativos, mas por não
admitir o conteúdo.
Ler, escrever,
ouvir e falar coisas com as quais concordamos e com as quais não concordamos é
um primeiro passo. E fontes de informação que não sejam anônimas, ou seja, que
se responsabilizam pelo que divulgam, é outro. Preferir fontes que baseiam seus
relatos em provas e não em suposições ou teorias da conspiração. Que são
gostosas, mas burras.
Um programa de
Rádio deve promover debates e informações para que todos entendam que tipo de
mensagem estão passando ao povo – ainda mais neste ano eleitoral. Dois ouvintes
que defendam o voto em um candidato X e dois outros ouvintes que defendam o
voto em um candidato Y podem ser convidados para apresentar seus pontos de
vista para os ouvintes, de forma respeitosa. Pois a aprender como fazer a
discussão de valores com respeito a ideias divergentes é tão importante quanto
absorver conhecimento técnico. Quando uma emissora de rádio fecha os olhos a
isso, transmite uma ideia. Em outras palavras, o silêncio não é neutro.
Como sempre
digo: falta verdade no mundo, mas falta interpretação de imprensa. E calmante
na água de muita gente.